"Eu sou um filho sem sorte. Que só nasci pra sofrer. Vivo triste e abandonado. Sofrendo sem merecer. Pra mim não existe festa. Uma vida feito esta. É muito melhor morrer..."
Os versos melancólicos de Filho Sem Sorte, eternizados por Kara Veia, embalaram na manhã desta terça-feira (1º) o adeus ao sanfoneiro Sebastião José Ferreira, o querido Xameguinho, em Maceió. Ícone do forró raiz em Alagoas, ele faleceu de forma repentina, aos 62 anos, vítima de um infarto fulminante durante a madrugada da segunda-feira (30).
O velório e o sepultamento aconteceram no Cemitério Parque das Flores, na parte alta da capital alagoana, e reuniram artistas de várias gerações, familiares, amigos e admiradores. O momento foi marcado por forte emoção, aplausos e homenagens. Ao som da sanfona e de canções que marcaram sua carreira, os presentes celebraram a vida de um homem que transformou a música nordestina em poesia popular.
Uma trajetória marcada por raiz, respeito e paixão
Natural de Atalaia, interior de Alagoas, Xameguinho começou a tocar ainda menino, inspirado por mestres como Luiz Gonzaga, Dominguinhos e Trio Nordestino. Ao longo de cinco décadas, conquistou o coração do povo com sua técnica refinada, seu carisma e, acima de tudo, sua humildade. Ganhou projeção nacional ao acompanhar Kara Veia, sendo peça fundamental na consolidação do estilo vaquejada no início dos anos 2000.
Mesmo com fama, Xameguinho nunca abandonou suas origens. Fundador do Stúdio Xamego, em Maceió, ajudou a revelar e formar inúmeros talentos do Agreste, do Sertão e de outros estados nordestinos. “Ele abriu as portas pra muita gente. Ajudava sem esperar nada em troca. Era mestre, mas sempre se comportou como aprendiz”, relembrou o cantor Cláudio Rios.
Uma perda irreparável para a cultura nordestina
De acordo com familiares, o músico acordou durante a madrugada sentindo falta de ar. Tentou chegar até o banheiro para pedir ajuda, mas não resistiu antes da chegada do socorro. A morte repentina abalou profundamente a classe artística e fãs espalhados por todo o Nordeste.
O produtor cultural Marcos Assunção destacou a relevância de Xameguinho: “Ele não era só um sanfoneiro. Era um elo entre gerações. Seu som trazia o passado e apontava para o futuro. Perder Xameguinho é perder um pedaço da alma nordestina.”
Legado vivo em arranjos e corações
Com uma discografia respeitável, incluindo álbuns como “Só Xamego”, “Xameguinho – O Original” e “Do Jeito do Meu Coração”, o artista transitou entre o forró tradicional e a música gospel, gravando com nomes como Amara Barros e Marilyn Caroline. Também teve parcerias marcantes com artistas como Mano Walter, Joseane de Josa, Mestre Zinho, Chau do Pife, Zuza, Tito do Gado e Hermeto Pascoal.
Nos últimos anos, viu músicas como “Outra Vez” e “Tanta Solidão” viralizarem nas redes sociais, conquistando o público jovem e provando que seu som é atemporal.
Último acorde
A despedida de Xameguinho foi mais que um sepultamento: foi um ato de celebração a uma vida que se confunde com a história do forró em Alagoas. No final da cerimônia, um sanfoneiro tocou novamente Filho Sem Sorte, enquanto os presentes entoavam os versos que, um dia, Xameguinho cantou ao lado de Kara Veia — agora ambos eternos.
"Ele não foi um filho sem sorte. Foi um filho da sanfona, da cultura, do povo. Um mestre que viveu como artista e partiu como lenda."
E-mail: portaltodosegundo@hotmail.com
Telefone: 3420-1621