Os burros (Equus asinus), animais historicamente ligados ao cotidiano do sertanejo e parte viva da paisagem do interior nordestino, enfrentam uma ameaça grave à sua sobrevivência. Um alerta soou forte em Alagoas durante o 3º?Taller sobre Burros de Brasil, realizado em Maceió, onde especialistas, pesquisadores e defensores da causa animal discutiram o avanço do abate desses animais para exportação de suas peles — destinadas majoritariamente à produção de ejiao, uma gelatina medicinal usada na medicina tradicional chinesa.
A situação, segundo os especialistas, é alarmante. Estimativas da Frente Nacional de Defesa dos Burros apontam que entre 1996 e 2025 o Brasil perdeu 94% de sua população de asinos — categoria que inclui burros, bestas e jumentos. A extinção local pode se tornar realidade nos próximos anos caso não haja uma reação imediata.
“É um tema que preocupa o mundo todo. A situação de Brasil e do planeta em relação aos burros é extremamente grave”, afirmou o professor Adroaldo Zanella, da USP, durante o evento na capital alagoana.
O ponto crítico está na alta demanda por ejiao, um produto valorizado na Ásia por suas supostas propriedades medicinais. Segundo a organização internacional The Donkey Sanctuary, o número de burros abatidos no mundo cresceu 160% entre 2016 e 2021. Apenas em 2021, 5,6 milhões de animais foram sacrificados — e a projeção é de que esse número chegue a 6,8 milhões até 2027.
No Brasil, não há uma cadeia produtiva formal para a criação desses animais, tampouco regulação suficiente para garantir seu bem-estar. Estudos apontam que o abate é feito em condições precárias, com sinais claros de maus-tratos, abandono, desnutrição e violência.
“Além da ameaça à espécie, o transporte e o sacrifício sem controle favorecem a disseminação de doenças, inclusive zoonoses, que afetam humanos e outros animais”, alerta relatório do The Donkey Sanctuary.
No interior de Alagoas e em várias partes do Nordeste, o burro ainda é instrumento de trabalho essencial, especialmente para agricultores familiares. “Eles atuam em áreas de difícil acesso, como plantações de cacau ou transporte de água. São resistentes, dóceis e inteligentes”, explica a veterinária Patrícia Tatemoto, coordenadora da campanha da The Donkey Sanctuary no Brasil.
Ela reforça que o burro não é apenas um animal de carga: “São companheiros de vida para muitas famílias, e têm grande valor social e afetivo”.
O processo reprodutivo dos burros é demorado: uma gestação leva 12 meses e a maturidade para abate só ocorre por volta dos três anos de idade. Isso encarece a criação e aumenta a pressão sobre indivíduos em vida livre ou sem donos identificados.
Uma saída possível seria a substituição do colágeno retirado da pele do animal por versões sintéticas produzidas em laboratório. “A fermentação de precisão é uma alternativa real e promissora. Já existem tecnologias capazes de produzir colágeno de forma ética, sem explorar animais”, defende Roberto Arruda, doutor em Economia Aplicada pela USP.
O fato de o encontro ter ocorrido em Maceió coloca Alagoas no centro do debate nacional sobre a preservação dos burros. O estado, que ainda guarda um número significativo desses animais em zonas rurais, também sofre com denúncias de abate irregular e tráfico para outros estados e até para o exterior.
O 3º Taller sobre Burros de Brasil reuniu representantes de universidades, ONGs e órgãos públicos. O evento teve como meta propor políticas públicas, estratégias de fiscalização e campanhas de conscientização.
“Proteger os burros não é apenas uma causa animal. É uma questão de cultura, de identidade regional e de justiça social”, concluiu Tatemoto.
Ejiao é uma gelatina tradicionalmente usada na medicina chinesa, feita a partir do colágeno da pele dos burros. Acredita-se que ela tenha propriedades benéficas para circulação sanguínea, pele e fertilidade. Com o aumento da demanda no mercado asiático, milhares de animais são abatidos ilegalmente ao redor do mundo para suprir essa indústria.
E-mail: portaltodosegundo@hotmail.com
Telefone: 3420-1621